domingo, 6 de dezembro de 2009

Judas e São Pedro

Em artigo anterior reproduzimos trechos de um atraente estudo1 sobre o caráter do traidor Judas Iscariotes. O mesmo opúsculo em português traz também, como apêndice, uma elucidativa comparação entre o pecado de Judas e o de São Pedro2, que nos pareceu interessante levar ao conhecimento do leitor, através dos trechos que abaixo reproduzimos.
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A queda de Judas representa para nós uma advertência. Causa vertigem pensar que um homem bom, escolhido e preparado por Deus para realizar uma grande missão, um homem que conviveu intimamente com o próprio Jesus, e que tinha todas as condições para ser fiel até o fim e muito santo, tenha caído tão fundo.
Essa advertência torna-se ainda mais forte, se nos lembrarmos de que não foi só Judas que traiu. Os outros Apóstolos também traíram o Senhor, embora de outro modo, e até o próprio Pedro, o Príncipe dos Apóstolos, traiu Cristo. Ele que tinha a missão de ser a rocha incomovível sobre a qual se deveria edificar a Igreja ao longo dos séculos, negou covardemente o Senhor.
Judas e Pedro. Duas histórias que nos colocam diante do mistério do mal, dos abismos de maldade que existem no coração de todo ser humano.
A traição de Judas
No início, Judas seguia Jesus com retidão. Havia na sua alma, como na dos outros Apóstolos, ambições humanas alheias à missão de Cristo e interesses pessoais mesquinhos, mas estavam num segundo plano; o que importava acima de tudo era colaborar com o Senhor.
No entanto, com o passar do tempo, essa situação foi-se invertendo: as ambições pessoais de Judas, não devidamente subjugadas à medida que ‘erguiam a cabeça', foram pouco a pouco ganhando terreno até que, em dado momento, o Apóstolo percebeu com nitidez que a proposta de Jesus não se coadunava em absoluto com elas. Então, em lugar de retificá-las, preferiu mantê-las e colocá-las em primeiro lugar na sua vida.
A partir daí foi-se desenvolvendo em sua alma um processo de infecção generalizada pelo câncer de um tremendo egoísmo. Seu coração foi-se endurecendo e distanciando aceleradamente de Cristo. A sua consciência foi-se embotando. Perdida a confiança em Jesus, passou a olhá-lo com olhos cada vez mais críticos, até chegar, após sucessivas decepções, a odiar Aquele a quem tanto admirara. Finalmente veio a traição vil.
Durante todo o tempo em que a alma de Judas se ia enchendo de trevas, Jesus não deixou de estimá-lo muito e de tentar ajudá-lo. Deu-lhe muitas oportunidades de arrepender-se do seu egoísmo.
Comenta São Tomás Morus que o Senhor "não o arrojou da sua companhia. Não lhe tirou a dignidade que tinha como Apóstolo. Nem lhe tirou a bolsa, e isso apesar de ser ladrão. Admitiu-o na última Ceia com os demais Apóstolos. Não hesitou em ajoelhar-se e lavar com as suas inocentes e sacrossantas Mãos os pés sujos do traidor, símbolo da sujidade de sua mente [...] Finalmente, no instante supremo da traição, recebeu e retribuiu o beijo de Judas com serenidade e com mansidão"3.